Há algum tempo atrás, Moacyr Alves surgiu com a proposta de lutar por preços de games mais acessíveis no Brasil e, claro, foi bem recebido pela comunidade que paga os olhos da cara em jogos comercializados aqui. Nascia o Jogo Justo, projeto conjunto entre a entidade criada pelo Moacyr, a Acigames (Associação Comercial e Industrial de Games – eu fiquei com os dois pés atrás sobre sua criação, mas relevei), produtoras de games, lojistas e consumidores que visa, entre outras coisas, mudar a classificação dos games de “jogos de azar” para “conteúdo cultural”. A ideia inicial era realizar campanhas em dias específicos com descontos significativos em games (e com os gamers fazendo sua parte e comprando) para chamar a atenção do governo dizendo “ei, o Brasil tem mercado consumidor, que tal uma mãozinha?”

Os problemas começaram já na primeira edição do Dia do Jogo Justo: as redes de varejo aproveitaram para se livrar de jogos encalhados, ou por serem velhos ou por serem ruins; o melhor exemplo é Bioshock 2, que é uma bela porcaria, estar em promoção até hoje! Esse “deslize” foi sanado nas edições seguintes, até jogos recém-lançados como Street Fighter x Tekken entraram em promoção, mas claro que alguns refugos permaneceram nas opções de compra.

O tempo passou, Moacyr virou conselheiro do Ministério da Cultura e quando todo mundo achou que chegou a hora, o discurso mudou. Veja entrevista concedida ao programa Checkpoint, feito por alunos do Senac (pule para 17:50, a parte sobre o Steam começa lá):


Quem trouxe a discussão à tona foi o blog Mais de Oito Mil.

Para quem não sabe, o Steam é um serviço de distribuição online de jogos para computador; você compra seus jogos e paga um preço muito mais em conta já que não há custos com mídia física ou transporte (sem mencionar as promoções malucas que volta e meia aparecem por lá).

Jogo não tão Justo Moacyr Alves quer taxar o Steam?

Senão vejamos:

Moacyr diz que negociou com um representante da Valve sobre a possibilidade da mesma abrir um escritório no Brasil; o representante teria respondido que não há motivos para abrir uma sede aqui, sob argumento de que “o brasileiro já compra deles de qualquer jeito”, o que não está errado. Mas agora na condição de conselheiro (sou só eu ou isso soou como rancor?), ele vai “regulamentar” a distribuição digital pois, palavras dele:

“(…) ela bate de frente com os lojistas, que é o mercado que está iniciando agora.”

Os pontos que ele frisou como necessários para instalação do Steam no Brasil seriam:

  • Obrigar o Steam a ter servidores no país;
  • Submeter a empresa às leis brasileiras, incluindo o Código de Defesa do Consumidor;
  • Fazer com que ela gere empregos locais;
  • Fazer com que ela recolha toda a gama de impostos brasileiros e permitir a livre concorrência entre o Steam e lojistas brasileiros.

O motivo: o comércio de games digitais “não recolhe impostos no Brasil” e seria, por isso, “ilegal”.

Muito bem, vamos por partes:

Em primeiro lugar, o mercado de games no Brasil não é novo, a primeira representante oficial de de uma empresa de videogames no Brasil foi a Philips, ao trazer o Odyssey² (chamado só de Odyssey, já que o primeiro modelo nunca veio para essas bandas) em 1983; depois foi a vez da Polyvox com o Atari 2600, da Tec Toy com a Sega e finalmente da Playtronic com a Nintendo. Dizer que o mercado está começando agora é insultar a inteligência do consumidor.

Sobre impostos: a verdade é que quando você compra um jogo no Steam, você paga 6,3% do valor da compra em IOF, ou seja, o governo está, sim, recolhendo impostos. Resumindo, Moacyr mentiu (ou foi “mal interpretado”, como ele alegou após um sem número de questionamentos recebidos). Para completar a total falta de conhecimento dele, não há legislação que regulamente o comércio digital no Brasil, logo, o Steam não está ilegal, pois não existe lei alguma sobre isso. Não obstante o Steam possui, sim, servidores dedicados no Brasil.

Falando sobre a intenção de “proteger o mercado nacional” como Moacyr mencionou: como bem apontado no post do Bruno Maeda, toda vez que apareceram com essa conversa as consequências sempre foram piores para o nosso mercado do que para o estrangeiro, pelo fato de que o governo é completamente inepto (ou não tem interesse) para resolver essa situação; ao invés de desonerar o comerciante nacional e criar uma concorrência real, o governo joga toda a responsabilidade fiscal também no estrangeiro, prejudicando ambos (até porque não é interesse do governo reduzir a arrecadação de impostos). É bom lembrar também que a Acigames protege as redes de comércio afiliadas à ela (e que pagam mensalidade), e são elas as únicas autorizadas a participar das ações promocionais. Apesar da bandeira inicial do Jogo Justo ser beneficiar o jogador, o desenrolar dos últimos acontecimentos jogam uma nuvem de incerteza sobre a isenção de impostos prometida por Moacyr Alves.

E agora, Moacyr?

Isso sem mencionar a cobrança de um imposto “de 5%, menos do que se paga de IOF”, segundo ele próprio, no Twitter, com o objetivo de criar um SAC nacional (que já existe) e de forçar a melhoria do serviço (que vai muito bem, obrigado). Isso é criar mais um problema a se somar com os atuais, dada a carga tributária insana que possuímos. Essa alíquota de 5% será um novo imposto ou um que já existe? Ele substituirá o IOF ou será cobrado em cascata? Será o único a ser cobrado?

Enfim, mais perguntas do que respostas. É inadmissível que Moacyr Alves, na posição de presidente da Acigames e conselheiro do MinC não possua uma acessoria de imprensa e solte declarações vagas (e mal pontuadas) nas redes sociais. Como o Maeda disse, isso tem cheiro de lobby; no caso dessa regularização acontecer de fato, quem mais sairá ganhando é o governo, pois aumentará substancialmente o valor de impostos arrecadados, além de submeter os jogos da Steam à regulamentação do Ministério da Justiça, que já ocorre com a SEN (antiga PSN) e a Xbox Live, que causa atraso no lançamento  e oneração no preço final dos jogos; para os comerciantes nada muda, mesmo que haja redução de impostos o movimento óbvio é manter os preços atuais e aumentar a margem de lucro (iPhone quem?); os consumidores serão, como sempre, os que irão pagar a conta; e Moacyr Alves vai ficar com o filme queimado ao servir como bode expiatório, por não saber como funciona o jogo político.

Enquanto não sai uma posição oficial sobre a regularização do comércio digital no Brasil (que pode se estender à App Store e ao Google Play; a Microsoft já recolhe impostos), ficamos com as declarações de Moacyr, pois é o que tem para hoje. Mas estamos de olho.