Quem me acompanha aqui ou nas redes sociais sabe que sou contra fast foods para os Padawans. Porém ao oferecermos um estilo de vida aos nossos Jovens Padawans, corremos o risco de ensiná-los a serem prepotentes, arrogantes e até mesmo intolerantes.

Meu amigo Fábio M. Barreto mora nos Estados Unidos e relatou no texto abaixo um episódio que ele passou com a sua Padawan. Leiam e reflitam, pois podemos sim oferecer um estilo de vida bacana aos nossos Padawans sem que eles caiam nas garras da acéfala intolerância.

Jorge Freire (Nerd Pai)

McDonalds não é comida!” Uma colega de classe da Ariel, minha filha de 8 anos, disse com uma mistura de orgulho e o que pode ser considerado arrogância infantil quando viu um outro coleguinha de escolar tirando um pacote de nuggets da lancheira na hora do almoço. O garoto, todo encabulado, quase guardou a caixinha de volta até que a inspetora disse que ele precisava almoçar. Claro, nuggets não é a melhor escolha para uma alimentação saudável, ainda mais para um aluno de segunda série, mas, por alguma razão, foi a escolha dos pais e era, de fato, o único almoço do garotinho. Mas, ao contrário da declaração enfática da garota, é comida sim.

McDonalds não é comida a

Isso chamou minha atenção, pois não foi a primeira vez que presenciei esse bullying alimentício na escola da Ariel. Sempre há tensões entre pais e o governo aqui nos Estados Unidos, pois, especialmente pela influência de Michelle Obama, as tentativas de inserir comida mais saudável no cardápio da escola e orientar os pais nas escolhas dos cardápios deixam muita gente revoltada.

Afinal, esses pais querem lutar pelo direito de transformar os filhos em pequerruchos roliços se assim desejarem, embora todo mundo saiba, não devam. Mas é um paradoxo idiótico do estilo de vida americano: “o governo não pode me dizer o que fazer!

Digo isso para dar contexto e explicar o próximo ponto.

Ano passado, na primeira série, Ariel voltou para casa dizendo que uma coleguinha – a mesma da frase inicial – e outros alunos, que concordaram, disseram que “leite achocolatado fazia mal para ela”. Ariel chegou em casa chateada e questionou o fato de mandarmos o leite e o pó do Nesquik (aqui não tem nem Nescau nem Toddy) para ela misturar.

Foi uma situação inusitada e piorou quando a professora veio falar com a gente sobre isso. Assim como as crianças, ela falou que não fazia bem, que tinha muito açúcar (o achocolatado que compramos tem açúcar reduzido e não adicionamos nenhum açúcar extra) e que ela deveria tomar leite puro, que era o “recomendado”.

Tive uma longa, e dura, conversa com a professora e ela ficou quieta quando fui categórico: minha filha nasceu no Brasil e toma achocolatado desde pequena, ela não gosta do leite puro e tomar leite é importante para ela, logo, se vocês quiserem forçar isso – e se a molecada continuar reclamando – ela vai parar de consumir o alimento principal da dieta dela. Alias, eu tomo leite achocolatado e todos os primos dela tomam. Ninguém é obeso ou problemático por conta disso, esse argumento não faz sentido”.

Uma pequena revolução foi iniciada na classe dela, com direito à professora convocando a sala toda para explicar que o leite achocolatado da Ariel não era “prejudicial” e que ela podia tomar o quanto quisesse.

A amolação acabou e a vida seguiu.

Já nesse ano, pelo menos duas crianças da sala dela fizeram comentários sobre o leite, sobre carne vermelha e, agora, sobre o nuggets. Fui investigar a situação e descobri que há três alunas vegetarianas na sala. Absolutamente nada contra a opção vegetariana, mesmo tão cedo. E isso me leva ao título desse artigo.

A escolha da dieta é totalmente aceitável, justa e precisa ser respeitada. Entretanto, em conversa com o professor desse ano, identificamos que essas crianças – que vem de lares vegan radicais – sempre têm um discurso bastante negativo em relação à alimentação dos colegas de classe. Apenas o que eles comem faz bem, apenas o que eles gostam presta e faz bem, e todo o “resto é lixo”.

Conheço uma garota da quarta série que não come carne vermelha por opção, mas ela é a única da casa, logo, tendo sua dieta respeitada, a vida segue sem grandes problemas, pois os pais não ficam martelando os conceitos na criança. E, sim, é preciso apontar os dedos para os pais. Voluntária, ou involuntariamente, eles pregam esse radicalismo, que é propagado por conta da necessidade de cada criança demonstrar sua individualidade e se posicionar frente aos colegas.

Não somos vegetarianos, mas, de forma alguma, pressionamos a Ariel a comer carne. Ela come por gostar, alias, não toca em nada verde, o que tem sido um grande problema para a gente. Só consigo introduzir legumes na dieta dela quando misturo tudo na sopa de tomate que ela adora, fora isso, é um pandemônio. Adoraria ter que brigar para ela comer menos alface ou brócolis!

Por conta disso, passei a prestar mais atenção nas crianças que conhecemos e até mesmo no que digo para a Ariel. Todo pai sabe do poder da sugestão e da necessidade que algumas crianças tem de replicar comportamentos e ideias dos adultos na vida infantil, especialmente na escola. Às vezes por causa de alguma demanda específica, ou até mesmo quando algo perigoso se apresenta, é tentador ampliar a fato e fazer um pouco de drama. Afinal, o que faz mais efeito: “não fale com estranhos, pois a pessoa pode te levar embora e você nunca mais vai ver a mamãe” ou “tome cuidado, pois não podemos confiar em qualquer um”? O emotivo sempre vai vencer, especialmente nos anos formativos. E isso não é julgamento de valor, simplesmente queremos evitar erros/problemas irreparáveis.

Aí volto à discussão sobre “McDonalds não ser comida”. Quem disse isso foi um dos pais, provavelmente no intuito de dissuadir a criança a consumir um hambúrguer, e manter a dieta ou mesmo para explicar porquê as outras crianças comem e ela não. O mesmo vale para o leite. Notei a tentativa de uma demonização de tudo que a família não concorda ou aprova e acabei ouvindo declarações semelhantes sobre canais de TV (ou à própria TV, que “não faz bem nenhum à Humanidade”), a alunos de outra escola (“que são um lixo, assim como a escola em si”) e por aí vai.

Falar das coisas faz parte da sociedade infelizmente, mas, pela primeira vez, preocupei-me com a origem da prática.

É mais conveniente assustar, transformar algo indesejado em algo negativo ou ruim, mas, fazendo assim, não ensinamos lições, plantamos a primeira semente do preconceito, do radicalismo e da intolerância. Como parte desse processo, notei que eu mesmo percorri esse caminho e fui extremo em alguns comentários sobre música, por exemplo. O assunto, na verdade, não importa, pois, no fim das contas, a prática é incutida na molecada. A única coisa que não arredo o pé é transformar cigarro – e a nova praga dos “vaps”, aqueles cigarros químicos a vapor – e outras drogas na pior das escolhas da vida de alguém.

Aí penso: se o problema é a forma, não o conteúdo, como disse, é um risco que vale a pena correr e não temos escolha, ou é um problema cuja solução simplesmente não temos tempo, ou disposição, para investigar?

Da minha parte, vou mudar a atitude e garantir que pelo menos a minha filha seja uma boa influência e aprenda tolerância. Se não quero que ela minta, é bom que eu seja honesto sobre tudo.

E você, o que acha?

Fábio M. Barreto é comunicador e autor da ficção “Filhos do Fim do Mundo”. Criou e edita o site USReporter.net, é pai da Ariel e espera a chegada do Erik em agosto!

Imagem via http://www.shutterstock.com