Falar sobre morte com uma criança nunca é simples. O instinto de proteger é forte. Às vezes, a gente pensa em suavizar a dor com metáforas, desviar do assunto ou até fingir que nada aconteceu. Mas a verdade é que crianças sentem. Sentem a ausência, o silêncio, as mudanças. Mesmo quando não entendem tudo.
A forma como lidamos com o luto diante delas tem impacto direto em como elas aprenderão a viver e elaborar perdas pela vida inteira.
Este artigo é um convite à escuta, à presença e à construção de um caminho possível para atravessar o luto ao lado dos pequenos.
Crianças percebem a perda, mesmo sem entender tudo
Elas sentem a ausência. Mudanças na rotina, no humor dos adultos, no que é dito e no que é silenciado.
Mesmo que não compreendam a ideia de morte como permanência, elas percebem que algo importante aconteceu.
É comum surgirem comportamentos como:
- Mudanças de humor repentinas
- Choro frequente ou aparente indiferença
- Dificuldade para dormir
- Questionamentos repetitivos
- Fantasias ou explicações próprias sobre a morte
E tudo isso é esperado.
Segundo a psicóloga Maria Helena Pereira Franco, fundadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto (LELu – PUC-SP),
“A arte, o cinema e outras formas de expressão simbólica nos ajudam a elaborar o luto porque permitem que sentimentos difíceis ganhem forma, voz e sentido.”
Essa frase resume bem o que muitos pais, mães e cuidadores podem fazer: abrir espaço para o sentimento aparecer, em qualquer forma.
Evite fantasias: fale a verdade com leveza
Usar frases como “virou uma estrelinha” ou “foi dormir para sempre” pode parecer inofensivo, mas cria confusão e até medo.
O ideal é falar com simplicidade, verdade e carinho. Algo como:
“A bisa morreu. Ela não vai mais voltar. É muito triste, e a gente sente saudade.”
Permitir que a criança entenda que a tristeza faz parte da vida é dar a ela ferramentas emocionais para o futuro.
Cada criança reage de um jeito
Não existe um jeito certo de viver o luto. Uma criança pode se fechar, outra pode fazer perguntas, outra ainda pode rir em um momento inesperado.
Em uma experiência pessoal, levei meus dois filhos ao velório da bisavó. Um deles caiu na risada porque uma oração foi lida com uma palavra errada. O outro ficou em silêncio, colado na mãe, sem dizer nada.
Ambos estavam sentindo. Cada um à sua maneira.
Acolher é isso. Observar, escutar e não julgar o que aparece.
A importância da escuta e da presença
Você não precisa ter todas as respostas. Basta estar ali.
Mostrar sua própria tristeza também é uma forma de ensinar.
Dizer algo como
“Eu também estou triste. A gente sente muito quando perde alguém que ama.”
faz com que a criança se sinta segura para compartilhar seus sentimentos.
Se ela não quiser falar, respeite. O silêncio também comunica.
A arte como caminho de elaboração
Filmes, livros, músicas e desenhos ajudam a dar forma ao que não se consegue dizer. São ferramentas preciosas para iniciar conversas ou simplesmente se conectar emocionalmente com os pequenos.
Aqui vão algumas animações e filmes que abordam o luto com sensibilidade, ideais para crianças a partir de 8 ou 10 anos:
1. Viva – A Vida é uma Festa (2017)
Fala sobre a importância da memória, dos vínculos e da saudade de forma alegre, emocionante e respeitosa com a cultura mexicana. Uma verdadeira aula sobre como lembrar é também uma forma de amar.
2. Up – Altas Aventuras (2009)
Mostra a perda da parceira de vida do protagonista e sua jornada de recomeço. Aborda a solidão e o valor dos novos laços.
3. Meu Amigo Totoro (1988)
Não trata diretamente da morte, mas fala sobre ausência, saudade e como o afeto pode ser um refúgio seguro.
4. O Pequeno Príncipe (2015)
Explora o luto de forma simbólica e profunda, conectando gerações e memórias.
5. Ponte para Terabítia (2007)
Um pouco mais denso, trata da amizade e da perda de maneira direta. Ideal para assistir junto e conversar depois.
Esses filmes não substituem a conversa, mas abrem caminhos para ela.
Como manter a memória viva com as crianças
Criar rituais simples pode ajudar a criança a entender que quem partiu continua existindo de outras formas na vida dela.
Algumas ideias:
- Desenhar memórias juntos
- Contar histórias da pessoa que se foi
- Acender uma vela ou fazer uma oração juntos
- Guardar um objeto simbólico
Essas práticas não são sobre apego ao passado, mas sim sobre acolher a saudade com afeto.
O luto é um processo, não um evento
Pode durar dias, semanas ou anos. E não é linear. Há dias leves, outros mais difíceis. E tudo bem. O mais importante é deixar claro que a criança pode voltar a esse assunto quando quiser. O canal está aberto. Sempre.
Com presença, paciência e amor, a dor vai se transformando. Ela não desaparece. Mas muda de forma. E, com o tempo, vira memória viva. Vira saudade boa.
Conclusão: acolher é mais importante que explicar
Não precisamos ter todas as palavras certas. Basta abrir espaço para sentir junto. A dor da perda, quando compartilhada com afeto, vira aprendizado emocional. E isso vale para os pequenos e para nós também.