Quando até o unfollow faz parte dos relacionamentos líquidos

Quando até o unfollow faz parte dos relacionamentos líquidos

Outro dia, o Padawan terminou com a namoradinha da escola. Tudo bem, é a vida. Amores começam e acabam desde sempre. Mas o detalhe que realmente me chamou a atenção foi outro: percebi o término quando ela parou de curtir meus stories.

Sim. A menina me seguia, curtia, reagia com coraçãozinho. E de repente, silêncio total. Nenhuma curtida, nenhum emoji, nada. Fui conferir e vi que ela tinha deixado de me seguir.

Confesso, fiquei chateado.

Afinal, nós tínhamos uma “conexão digital”. Era uma seguidora fiel, dessas que você até nota quando desaparecem. Mas aí veio o golpe final: Ela me seguia por causa do Padawan, e não por minha causa.”

Doeu, mas era verdade.

O “unfollow” e os relacionamentos líquidos

O termo relacionamentos líquidos foi criado pelo sociólogo Zygmunt Bauman. Ele descreve como os vínculos modernos se tornaram frágeis, passageiros e facilmente substituíveis. Hoje, isso acontece não só nas relações presenciais, mas também nas digitais.

O seguir e o deixar de seguir viraram novos sinais de afeto e de término. Antes, quando um relacionamento acabava, existiam longas conversas, devoluções de presentes e até silêncio constrangido quando se encontravam por acaso. Agora, bastam dois cliques e pronto, fim oficializado.

Bauman talvez não tenha previsto o “unfollow”, mas entenderia perfeitamente essa nova forma de dizer “acabou”.

O unfollow como novo “tchau”

Hoje, o unfollow é o novo “tchau”. Não é apenas uma forma de limpar o feed, é um símbolo moderno de encerramento. Quando alguém deixa de seguir, está apenas confirmando o fim de uma fase.

E, pensando bem, faz sentido.

A namoradinha do Padawan não me seguia por interesse nos meus conteúdos, e sim por educação e simpatia. Quando o relacionamento acabou, ela simplesmente encerrou também esse vínculo digital. Foi um gesto coerente.

O unfollow é só a versão atual de um adeus discreto. Ele não precisa de carta, nem de conversa longa. É rápido, simples e silencioso.

Educar filhos na era dos likes

Essa pequena história me fez refletir sobre o que nossos filhos estão aprendendo sobre vínculos. Eles crescem num mundo em que o afeto é medido em curtidas, comentários e seguidores.

Para eles, seguir alguém é uma forma de mostrar interesse. Deixar de seguir é o sinal de que acabou.

Como pai, é meu papel mostrar ao Padawan que o valor das relações vai muito além dos números na tela. Que carinho e respeito não se expressam apenas em likes. E que as pessoas de verdade permanecem, mesmo que desapareçam do feed.

É importante ensinar que o fim de um relacionamento, seja de amizade, namoro ou digital, faz parte da vida. O que não dá é transformar cada “unfollow” em uma ferida emocional.

O que o unfollow revela sobre nós

O unfollow também revela muito sobre como lidamos com o apego e o ego. Em algum nível, esperamos ser vistos, lembrados, notados. Quando alguém nos apaga digitalmente, sentimos como se uma parte da nossa presença também fosse apagada.

Mas não é. A vida continua, mesmo fora das redes.

Talvez o verdadeiro desafio seja aceitar que o afeto não precisa estar registrado publicamente para existir. Que a maturidade emocional também se mostra na capacidade de seguir em frente sem precisar da validação digital.

E, claro, que o mundo não acaba quando alguém clica em “deixar de seguir”.

Vida que segue

Depois do unfollow, percebi que não faz sentido nenhum ela continuar me seguindo. Ela fazia isso para agradar o Padawan, não a mim. E tudo bem.

O unfollow é só mais um capítulo dos relacionamentos líquidos em que vivemos. É uma forma moderna de encerrar laços, sem mágoa e sem discurso.

O mais importante é lembrar que, por trás das telas, continuam existindo pessoas reais, sentimentos reais e conexões que não dependem de cliques para serem verdadeiras.

No fim das contas, vida que segue. Sempre segue. E sempre seguirá.

Referências

  • Zygmunt Bauman, Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, Zahar, 2004.
  • Harvard Business Review, 2024, “Emotional Patterns in Post-Breakup Digital Behavior”.
  • Pew Research Center, 2023, “Social Media and Emotional Attachment in Teen Relationships”.