Hoje irão votar a Lei da Palmada. Em novembro de 2009, participei do programa Roda Viva na TV Cultura onde discutiram justamente essa Lei. O Padawan ainda não tinha nascido e eu fui ao programa ainda sem ter uma opinião formada sobre isso. Saí de lá com uma opinião e, hoje, com o Padawan, eu a reforço ainda mais.
Dia 25 de novembro é o Dia Internacional de Luta Contra a Violência à Mulher. Essa prática absurda ainda é cometido milhares e milhares de vezes por dia. E o mais triste é que as mulheres que sofrem com essa violência, por várias razões, acabam não denunciando essas agressões, pois elas são feitas, em sua grande maioria, por seus namorados e maridos.
Escolhi essa tirinha com o texto da Litany against fear (A Ladainha do Medo), do Frank Herbert (Dune), para dar coragem às mulheres que sofrem com a violência. Encare seus medos e tomem atitudes para que isso acabe. Nenhuma violência é justificável. NENHUMA! Se você sofre ou conhece alguém que passe por isso, denuncie. Esse é o primeiro passo para dar um fim com essa prática covarde.
O que pode um trauma de infância fazer com uma pessoa quando esta chega na idade adulta? Alguns se tornam pessoas frustradas, outros tentam recuperar o que perderam inutilmente. Outros ainda, expressam seus sentimentos de formas variadas, pela música, artes e etc.
Vander Caballero fez um jogo de videogame. Vítima de violência doméstica quando criança, o colombiano responsável por Army of Two externou seus demônios em Papo & Yo, primeiro game do estúdio canadense Minority, disponível exclusivamente na PSN.
A história começa com um garoto chamado Quico escondido dentro de um closet, enquanto vemos um vulto de passos pesados e voz ameaçadora. Surge uma porta mágica e ele foge para um mundo onde ele pode exercer certo controle: sua imaginação. Nesse mundo, uma imensa favela, ele irá interagir com o monstro, uma criatura que em certos pontos vai te ajudar e em outros, quando estiver sob o efeito de um sapo que ele comer, vai te atacar incansavelmente. Além disso ele terá também a companhia do robozinho Lula, que não gosta do comportamento violento do monstro, por ele próprio ser super protetor com o garoto. Quico busca ajuda para curar o ímpeto violento do monstro, mas como tudo se passa na mente do garoto, esteja ciente de que nem tudo é o que parece.
O jogo é uma metáfora do que Caballero passou na infância. O monstro é o pai de Quico e, por tabela, do designer: um alcoólatra que, segundo ele, possuía momentos em que ele era uma pessoa amável e em outros, explodia em ira sob efeito da bebida. Lula é inspirado na mãe dele, e se chama assim porque ela era fã do nosso ex-presidente.
Aliás Lula não é a única referência ao Brasil: o ambiente do jogo, a favela, é tipicamente carioca. O morro, a forma das casas, o campinho de terra batida, é tudo facilmente identificável. Além disso ela é mágica: aqui Quico exerce controle sobre a situação, interagindo com desenhos feitos de giz e mudando a forma e a disposição das casas. A música também é inspirada no nosso ritmo, indo do MPB ao samba. O próprio nome do criador do game é uma referência: segundo Caballero, seu pai lhe deu o nome de Vanderei em homenagem ao ex-técnico da seleção brasileira Vanderlei Luxemburgo (!).
Caballero não viveu numa favela, mas por crescido em Bogotá, pode ver o contraste entre a cidade e as invaciones (como são chamadas as comunidades lá) e como elas cresciam engolindo os morros.
Atente também para os vários grafites espalhados pelos cenários. Os artistas Charquipunk, La Robot de Madera e INTI emprestam suas obras ao game, que foram devidamente portadas para a favela virtual.
O game aborda até mesmo uma questão não muito comum nessa mídia, a multietnia: Quico é um garoto mulato, e o pai é branco. Essa escolha veio direto de Caballero, ele próprio filho de pai considerado branco e mãe descendente indígena. Segundo ele, “temos sido tão condicionados em dividir as pessoas por suas etnias que não conseguimos imaginar uma criança mulata como personagem principal”.
Há um outro ponto meio obscuro: a menina que acompanha Quico durante a aventura, Alejandra. Foi dito que ela foi inspirada no primeiro amor da vida de Caballero, mas há duas cenas perto do fim que realmente me deixaram encucado e até agora me fazem pensar sobre o que realmente aconteceu. Questionada por um usuário do Twitter, a produtora se limitou a responder “não há resposta para isso”.
Mesmo num game que trata de assuntos tão pesados quanto alcoolismo e violência doméstica, alguns assuntos não devem ser mencionados.
Enfim, Papo & Yo passa longe de um game AAA, sequer é um game desafiador e tem pouco replay, mas é uma experiência única, e um dos poucos que me fez ficar incomodado no final, enquanto pensava sobre o alcoolismo ser um problema sério na nossa sociedade. É sobre em assunto triste, mas também sobre o crescimento do personagem e do autor. Vander Caballero teve coragem ao falar de seu passado de forma aberta, e sobre isso ele diz:
“O que elas (as pessoas) não percebem é que ser aberto e sincero é a única maneira de enfrentar um problema como o alcoolismo. Uma criança não vai à escola e fala sobre como seu pai chegou bêbado em casa às 3 da madrugada e quão terrível ele estava. A única maneira de se libertar de um passado horrível é falando abertamente sobre ele, com um amigo, através da arte, através de videogames.”
Game: Papo & Yo
Plataforma: exclusivo PSN, US$ 14,99